quinta-feira, 23 de setembro de 2010

ANJOS

Quando anjos chegarem
com suas espadas de fogo
e fizerem soar trombetas
mortos levantarão.
Agita então o lenço branco
que eu, aflita na multidão,
agitarei o meu tambérm.
Ansioso será o olhar
da procura.
Sequioso, o meu olhar.
Deus preocupado estará
separando bons e maus.
Assim será. Está escrito.
Chamarei e ouvirás o grito
porque te amo e conheço.
Arautos falarão do fim.
Para nós será cpmeço.

DECLARAÇÃO

     Afundou na poltrona. Faces ruborizadas, olhos baixos. Recém completara treze anos. Era a primeira vez que confessava seu amor para uma mulher. Humilhado, pensou em fuga, em morte. Não suportaria a ideia de viver sob o mesmo teto com ela, a futura madrasta.

INVISÍVEIS

     Morro de medo dos ácaros que moram nos lençóis da minha solidão.

ACONTECEU EM SETEMBRO

     Três ou quatro anos depois, num dia de primavera, nos encontramos por acaso. Ambos comprometidos. Retrocedemos no tempo. Sozinhos, afastados do mundo, nos esquecemos de todos.

PAUTA MUSICAL

     A clave, na pauta, se insinua em curvas maliciosas e toma posse das linhas nuas. Com DÓ dos meus sentidos ouço o desafino. Atenta dou RÉ no pensamento e percebo musicalidade. O  MI se encanta e canta em FÁ maior o colorido da vida. Deixo o  SOL penetrar na intimidade do piano. Dá-se o encontro de amor com Debussy.

ALPISTE

     Todos os dias ela coloca alpiste no peitoril da janela. E lá vem o faceiro passarinho iluminar a manhã. Acostumado a bonança da casa, confiante entra pousando no móbile. Ecoam sinos de minúsculas catedrais. Logo o pássaro levanta voo deixando o tapete coberto de poemas. No telhado vizinho espera aprovação. Ela leva a mão aos lábios e joga-lhe um beijo. São amigos desde há muito tempo. Ele é o Malaquias do Quintana, aquele anjinho barroco que tem as asinhas na bunda.